terça-feira, novembro 29, 2005

Fim de semana Inesquecível

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Como era mesmo o nome dela? Boca de lábios carnudos, olhos azuis brilhantes, seios altivos, desafiadores, auréola rosada e bicos quase sempre erectos, e não estava com frio nem excitada, não naquele momento, coxas torneadas, cu de nádegas cheias, levantadas e redondas e o mais perfeito triângulo de pelos púbicos cuidadosamente aparados, numa simetria de perfeição, que tive o prazer de contemplar. Demasiado, na minha opinião, pois de vez em quando picava. Mas como era mesmo o nome dela? Tinha um sinal, que parecia um losango, visto do lado da coxa esquerda e um rectângulo quem mira do lado direito, três centímetros abaixo do umbigo. Rigorosamente. Tive o cuidado de medir. Com uma régua. Esta minha mania da precisão!

Foi numa tarde miraculosamente livre e eu vagabundeava pelos corredores dos meus vícios e prazeres, música e livros, mais estes últimos, no meu local de tertúlia solitária, a Fnac. Perco-me no meio dos vídeos, deixando que um qualquer titulo sorria para mim o suficiente para o retirar da prateleira. Daquela vez todos se mostraram sisudos. Paciência, por lá continuaram. Na música o espaço é mais limitado, como limitadas são as minhas preferências. Música que não me dê cabo dos tímpanos, que me obrigue a fechar os olhos e sonhar. É só isso que peço. Melodia. Não sou, nem quero ser, nenhum erudito na música. Se me proporcionar momentos de prazer, já me dou por satisfeito. Desta vez não encontrei nenhum disco novo da Bethânea, o último da Calcanhoto já o tinha e o Roberto, o meu Roberto Carlos só edita um por ano. Razão mais do que suficiente para mergulhar no meu mundo; os livros.

Vagueava entre todos aqueles títulos à procura de um que fosse minha companhia por umas horas. Pretendia um que não tivesse muitas páginas pois gostaria de chegar ao fim. Sem saber exactamente porquê e confesso que, no momento nem foi motivo de preocupação, apanhei um livro. Inventar a Solidão era o título e o seu autor Paul Auster, um ilustre desconhecido para mim na altura. Hoje faz parte da minha biblioteca. Mas se na música e nos filmes não sou lá grande aventureiro, nos livros e nas mulheres não hesito um segundo para me lançar no desconhecido e na aventura. E que prazeres intensos foram já descobertos!

Procurei o conforto do assento, suspirei de puro prazer um tanto lânguido, confesso, e enfiei a cabeça na primeira página. Ah, esqueci de dizer que isto se passou vai para mais de sete meses. Há que colocar as coisas no seu tempo certo.

Apesar de não ser uma escrita que nos agarra logo nos primeiros parágrafos e nos obriga a concentrar a nossa atenção sôfrega em cada linha, prendeu o meu desejo de leitura. Ia na página dezassete a iniciar o segundo parágrafo que começava assim, isto se a memória não me falha: “Um número de telefone rabiscado à pressa nas costas de um cartão comercial…”, quando levantei os olhos e a vi. Sentada quase à minha frente, pernas cruzadas, saia para além do meio das coxas, blusa rosa velho de generoso decote. Folheava, um tanto distraída, um livro de arte gótica. Voltei ao livro, à página dezassete e ao segundo parágrafo. Repeti a leitura da primeira frase e não passei da quarta palavra. Impossível ignorar o livro de arte gótica, ali mesmo, à minha frente.

Descruzou as pernas e as minhas esperanças se defraudaram pois usava cuecas. Só mesmo nos filmes. Como a olhava, possivelmente com uma cara de parvo, coisa que faço com muita facilidade, achou-se na obrigação de sorrir. E porque não? Estávamos num local público, cujos frequentadores eram seleccionados pela lei da ignorância. No “Tavares” é a lei do dinheiro que selecciona os clientes. Volteei o olhar pela floresta de livros e títulos, sem outro propósito que não fosse o disfarçar, porque para onde eu queria mesmo olhar era para as coxas e para o rego das mamas, que o decote tão generosamente deixava ver. Que diabo, um homem por muito que goste de livros também não é de ferro! Por instantes, menos de um segundo, fixei a capa de um livro de Marcel Proust. Mas não passou disso, pois logo regressei à razão do meu sobressalto. Como era mesmo o nome dela?

Voltou a sorrir-me e desta vez achou por bem dirigir-me a palavra. Fazer o quê, com o raio desta timidez! Não é que dure muito, mas no início é sempre assim. Depois acabo sempre de agradecer os cursos de oratória e retórica com um americano, que pouco falava português, no hotel Tivoli. Confesso que ainda hoje estou para entender como é que o tipo nos compreendia tão bem.

- Será que podemos estar aqui a ler livros? – Perguntou, inclinando-se para a frente. Um movimento natural ou propositado? Que se lixe! Eu cá gostei. Mais um pouco e conseguia ver-lhe o umbigo pelo decote. Dentes perfeitos. Bolas, nem tudo é pecaminoso!

- Este espaço é para isso mesmo. – Respondi. – Claro que acabamos sempre por comprar qualquer coisa. – Conclui, tentando explicar. Afinal aquilo não é nenhuma biblioteca pública.

- Venho aqui muitas vezes, mas é a primeira vez que me atrevo a sentar. Sorriu, endireitou o busto e trocou a posição das pernas. Desta vez não segui o movimento. Porra, quem me manda a mim ser educado?

Pensei responder-lhe que tinha escolhido o melhor momento. Claro que não fiz.

- Eu sempre me sento aqui um pouco. Quando tenho algum tempo livre, o que não acontece com muita frequência.

Mas que merda de presunção a minha. Senti-me um idiota chapado. Emprestei uma importância desmedida a uma coisa tão simples como sentar-me na Fnac e roubar uma ou duas horas de leitura. Onde tinha eu a cabeça? Repousando nas mamas ou entre as coxas dela? Bolas, não era isto que eu queria dizer. Mas que foi o que pensei no momento, lá isso foi. (Continua)

1 comentário:

Raquel Vasconcelos disse...

Ah Ah ah! O retrato do homem!