segunda-feira, abril 25, 2005

Para além do infinito

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Desmemorias 2

Palavras que são soletradas com a pouca compreensão restante na sua formação, um pensamento que não contraria o sonho instalado no desejo acabado, olhos que cerrados de raiva e a dor que instalou em seu peito magro e dorido, o acelerar do sentimento pelas batidas restantes da gestação que não se congelou. Um lacrimejar em ondas derramadas, correndo pelos trilhos das feridas e que derramam as gotas de sangue no fisionomia de pedra. As linhas silenciadas e irregulares que se desenham na palma da mão, marcam o destino que fazem crescer o pavor dentro de mim. Um sentimento que contradiz a razão procurando o harmonizar dos pensamentos. A revelação, por fim, tardia, que tenta revelar o desejo encerrado dentro do ser imaginário da dor física, dos suores e das tremuras de uma ressaca diária.

Acuso-me de sem coração, atiro para longe todos os meus pensamentos que não revelem a sua razão ou sentido, desejo ser aquele que não contradiz o seu sentimento e deseja o perecimento derramado na poltrona envelhecida que, tempos atrás, não sei quando, ontem, ou há um século, guardou as gotas de sangue derramadas em esgares de sofrimento num vermelho negro. No meio da sua criação, o pensamento distante no génesis da sua constelação, o saber das palavras que não são soletradas e o definhamento pelas últimas gotas de sangue derramadas.

No borbulhar de pequenas gotas que perdem o seu destino pelo vento, que as carrega sem um rumo, para o findar de sua formação num lago de recordações e onde será guardada a recordação do sentimento que a droga fez perder no extasie fabricado. Num amontoado de palavras ditas por quem não soube corresponder e nem compreender o impossível incompreensível. As mesmas palavras que se não fizeram correctas, nem traduzíveis nos pensamentos tardios e confusos, um desenho criado na disposição que difere o pouco que restou no coração e a contradição que não revela um sonho, construído na alma que encaminha a mente, o veredicto final das lágrimas que são as que se perderam no consciente.

Foi em vão o sofrimento na busca de uma razão plausível, o sentimento que não diz ao pensamento a verdadeira razão do predominar no coração. O que restou da companhia não explicada em seu ser e que não foi compreendido por quem o buscou. No que foi transformado em gestação, recusando a companhia dos restos naufragados do coração num desesperado pedido de perdão ao que não pode ser perdoado. O fogo que irá predominar pelo espelho onde o reflexo inverso, que cortara o seu peito e arrancara o seu coração por entre as feridas que predominam em seu dedo uma razão, um grito de dor que não soletrou e o congelar do seu corpo. O ponteiro que falhou na sua função e imperou perante as horas que o marcou.

A tempestade que congelou as folhas de Outono que se derramaram sobre as ruínas do corpo. A primavera que o cobriu feito manto podre as pétalas que trouxe do lago da ressurreição. Verão que o descongelou e fez correr em fios de água entre as ruínas de vontades desfeitas e o renascer do seu olhar que se move no sentido oposto da razão guardada entre seu coração. (Diário de páginas vomitadas)

sexta-feira, abril 22, 2005

Para além do infinito

Desmemorias

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Tiago, meu nome, vinte e três anos de vida, seis de inexistência, parido entre gritos, gemidos, sangue e lágrimas. Do fumo para o pó e deste para a agulha foi um tempo num espaço que dura um peido. Não sei quem sou e muito menos o que sou. Perdi a consciência numa inconsciência sem premeditação. Recuso, aqui e agora, não faço promessas. Coração congelado sem uma razão para a frustração do filósofo, em silêncio provocando surdez, junto da lareira, aquela que aquece as lágrimas que permite cair em seu olhar. Filosofias obrigatoriamente congeladas no papel que escreve meus pensamentos. Aqueles que a mente descoordena. A falta de palavras concretas, filosofias que não explicam o sentido das lágrimas que cai em meu olhar, a dor de um amor que arrasou quimeras tantas. Paredes que foram destruídas pelos gritos de dor de uma ruína que penetrou em meu olhar, que se cala perante as faíscas que silenciam dores e desejos.

A sua crepitação perante o vento que distingue a ferida feita por uma pedra apanhada durante o caminhar para um destino jamais traçado e muito menos escolhido em que caminhou, insistente, teimoso e cortou o lado direito do seu semblante, com a ponta do diamante que não encontrou a busca das pontas das estrelas que caíram por entre os dedos. Sangue que congelou e paralisou entre o olhar que se move em um sentido oposto das palavras guardadas no sentimento do perdido num tempo esquecido. Uma razão que parte em demanda pelas frestas de madeira queimada, um pensamento que não compreende em sua mente na vontade de caminhar pela razão e esquecer suas palavras guardadas naquele armário esquecido num canto.

Um destino escrito numa rocha encontrada, gravado a cinzel de fogo. Embutida pela madeira que atravessou o triunfo do sentimento e derrubou o sangue dos sonhos que constituiu em seus pensamentos. Centelhas que transformaram em bolhas de gotas de pranto que derramou, palavras que a carregaram pelas rachaduras que restaram, termos que definiram o sentimento que predominou nas noites que encontraram um pensamento dentro do ser que restou. O fechar dos olhos e as lembranças das palavras soletradas. As lágrimas, de novo, derramadas no contorce do semblante gelado. Palavras desejadas com vontade de regressar ao milésimo que terminou e soletrar a quem amou. Uma dor que consome o anoitecer. Um sentimento que contradiz o ser existido dentro do coração arruinado, fraco, cansado. O fim do prazo estabelecido para o final da dor instalada dentro do ser estranhável aos espinhos que o procuram para ferir a alma que se cala. Palavras que não são soletradas. A compreensão que não é compreendida nem justifica uma razão sem a lógica de um pensamento. O abrir dos olhos e os ponteiros gélidos dos segundos que não se passaram, estacaram, pararam no tempo para o predominar na dor existente.

Uma causa sem uma justiça um julgamento sem uma estrela, um sentimento sem uma dor, um pensamento que não foi dito em seus desejos, um sonho que se fundiu com a rosa que, de tanto amar, se esqueceu dos espinhos que a protegeu. Partiu amando as pétalas em que escreveu as iniciais do sonho que desejou finalizar na companhia das leves folhas que iriam calar os pensamentos contraditórios do seu ser e que não corresponderia ao seu sentimento. A perda de um controle e o lançar do corpo ao chão com o semblante que se feriu. Feridas que não foram cicatrizadas com o tempo, por falta de tempo, porque se perdeu, esqueceu ou não existiu. Cicatriz que não se fechou, gotas que derramaram por entre as palmas, guardadas que foram as linhas e que entoaram no ser que se fechou em seu cómodo. E no espaço esquiço em que criou uma miragem, desrespeitando o sentimento que existiu no coração que faleceu sem o dizer da pétala em que amou. Um submergir sem um fim, uma criação sem um inicio, um veredicto sem palavras, um sentimento que não responde à razão que o pergunta. A sua existência no predominar das rachaduras restantes, faíscas que incendeiam os cortes feitos. E continua o casamento entre o desejo e a ressaca. (Diário de páginas vomitadas)

quarta-feira, abril 20, 2005

Apenas Beijos

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Na demanda do silêncio encontrei respostas em páginas soltas amarelecidas de um tempo de sorrisos e outros ainda de vazios de tempos. De olhos cerrados fitei o vazio cheio de meus desejos. Dei um giro no fundo e me deixei solto em mim, sentindo o que eu nem mais recordava. Por falta de coragem ou apenas com a simplicidade do esquecimento. Por instantes, breves, fugidios, senti um arrepio como se uma estranha sensação aprisionasse todo o meu ser. E ri dos meus medos. Assim. De frente. Com coragem. Jurei afiançar por muito tempo que eles eram os monstros que hospedavam meu pensar. Olhei-os de frente e descobri que, afinal, nunca foram maiores que minha limitação. Nunca se expandiram sem que eu permitisse.

Naquele tempo de busca encontrei, já nem sei onde, o que ainda era uma menina frágil na sua leve doçura, com os olhos inundados de saudade, a luminosidade de um horizonte por alcançar. Da saudade do que ainda não se viveu. Como ela estaria ali com os cabelos soltos em cascata, tocando levemente os ombros, olhando as marcas de passos perdidos na terra batida. Naquele momento não entendi porque ela sentia falta de algo que possuía. E como ela sorria, como se fosse o seu primeiro amor e brincava com ele, com o coração batendo acelerado, correndo por espaços que confinam nos seus braços e se espraiam em redor do seu corpo.

Esta menina não me era de todo estranha. Tinha um não sei quê de ternura embevecida, um olhar perdido no esvoaçar de uma folha amarelecida pelo Outono. Por um segundo senti novamente aquele medo não descrito por simples palavras e tentei fugir, talvez escalar a mais íngreme montanha na decisão de encontrar uma caverna para ocultar as lembranças. Não que elas não fossem bem-vindas, mas por serem somente minhas e por achar que em um lugar onde só eu pudesse entrar, elas estivessem seguras. Apertei as pálpebras e mordi o lábio sentindo o sangue quente em minha língua e em meu paladar. Talvez tenha agido assim para despertar do momento que me domava, mas não me desviei dele por mais que eu tenha tentado. A verdade é que eu sabia que não queria fugir mesmo sabendo que eu estava caminhando por caminhos conhecidos e ao mesmo tempo desconhecidos. Foi como se uma mistura de realidade escapasse do tempo concreto e tudo acontecesse de uma maneira sistemática entre o sonho e a capacidade de sentir o físico.

Aos poucos fui sentindo uma transformação que eu almejava e que não conseguia alcançar. Todos os momentos desfilavam à minha frente e a criança que fora e se perdera, sorria e outras vezes chorava, sem desistir de suas metas.
Compreendi que essa menina frágil e ingénua era dona de muito mais saber do que eu pensava existir. Olhei-a nos olhos e me vi reflectido em sua pupila. Um rosto cansado, cheio de marcas. Um sorriso triste e um quê de felicidade que foge à tradução. De leve como quem quer aproximação esbocei um leve gesto de paz sentida. A criança aproximou-se e cobriu-me com sua luz que tomava todo o ambiente. Vi nas janelas de seus olhos uma existência para além do infinito. Eu me via, ali, prostrado, na busca de um em vão. Na busca de explicações ouvi uma voz sem que essa menina movesse os lábios. O que ouvi me trouxe as respostas. Que em desespero tentei traduzir.

Não precisamos manter os olhos abertos para enxergarmos o que buscamos, e sim fechá-los umas quantas vezes para olharmos para o interior que é nossa demanda. É onde estão todas as soluções para o que julgamos sem solução. No eu completo se exprime o vento que, num leve assobio, murmura segredos da noite que meu espírito protege em renascimento. E esboçamos beijos sem significados semânticos, apenas beijos.

segunda-feira, abril 11, 2005

Saudade

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Sempre que a noite chega, a solidão vem falar em sussurro. E a saudade penetra bem cá dentro como um pouco de luar dentro de minha noite imensa. Uma noite percorrendo com lentidão os minutos passando até ao raiar do dia que tarda. E vai deixando aos poucos aquele toque de beleza e suavidade. Vai vertendo prata nos recantos mais sombrios, nos sítios mais esconsos. Vai enfeitando de luz as flores mais puras. Assim é derramada em meu sentir a saudade e consegue transformar em beleza a tristeza infinita do presente, porque traz para mim o encanto das horas mortas do passado.

Traz o gosto perdido de beijos húmidos de amor, transporta o calor dos abraços inesquecíveis, transmite o eco sussurrado das palavras que não foram ditas, por não necessárias.

Cerro os olhos e tento a recordar... Começo a cogitar no que foi o meu todo e agora é apenas a minha saudade. Começo a pensar naquele pedaço que me abandonou em tristeza e dor... Que esqueceu que meu amor era sincero... Que não se lembrou que tudo em mim era um pouco de ti.

Que não pensou que minha vida sem a tua, era uma caminhada de tédio e de angústia...
Agora estou só... E a saudade. Ela é a própria tristeza. Ah, e eu não sabia que a saudade doesse tanto! Fico olhando para as estrelas e implorando que leve até onde o teu sorriso mora esta minha saudade, para que venha correndo para os meus braços. A saudade... Ela é a própria amargura... Ela é tudo que eu tive e não tenho mais, é o meu único alento, todo o meu sol, todo o meu luar, toda a minha vida. Mas é graças a essa saudade, que eu sinto e vivo a tua presença

terça-feira, abril 05, 2005

A oferenda

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Aquele tempo em que te procurava...
Por isso
Tanto andei,
Tanto vagueei,
Tanto esforço para encaixar o grande no pequeno,
E o quadrado no redondo.
Esculpindo artes bonitas,
Cópias de um sonho
Que não chegaram jamais à veracidade...
Já me contentava com o congénere,
Quando finalmente nos encontramos.
Meu olhar brilhou e passou
A iluminar nosso caminho.
Meu coração bateu forte,
Seguiu, ritmado, nossos passos.
Nenhuma ameaça existia,
Mas nós nos incumbimos de produzi-la.
As conquistas passaram a ter
Conotação rotineira.
O belo tornou-se vulgar,
As diferenças, interessantes na discrepância,
Foram crescendo e incomodando.
Não te quero mais...
Não com a distância
Nos confundindo
Vou buscar outra promessa,
Que eu possa amar
E que este amor
Produza ameaças
Fabrique certezas
Na oferenda de um corpo se abrindo

domingo, abril 03, 2005

Aí, já é

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Meus olhos estão nos teus
E os teus, silenciosos, quase hipnotizados
Entregam-se sem resistência aos meus
O desejo explode de uma só vez
Almas torturadas pela distância
Sentimento puro, que é todo solidez
Desejamos o corpo, queremos a alma
A noite passa, o amor domina
Até o descanso... Enfim, a calma
Tem algo de para sempre e sem juízo
Amor doce, desejo louco
Encontramos no sonho o paraíso...

Aí já é o amor. Finges não saber, mas aí já é, irrefutável. O pensamento não cria outras formas além do seu caminhar, a maneira como prendes os cabelos, tuas opiniões sobre filmes que falam do amor assim como dito aqui. A interrogação fica no ar à procura do entendes. Não podes negar que é amor, mesmo que encontres outras palavras para apontar como esse sentimento usa roupas maltrapilhas. Antes que a tua boca termine o contorno de uma difamação, o amor se apressa na troca de roupas e se oferece com o frescor de rara manhã de céu aberto. Portanto, abaixa essa armadura, destranca o sorriso e se fores beber, que ao menos nos entrelacemos na possível busca de novos prazeres.

O homem dos livros põe de lado o almanaque, gesto distraído, pouco ensaiado. Que se não engane, ele não lê. Só enxerga de longe pretensos poetas, escritas rabiscadas na poeira do tempo, os óculos, esses, são para perto. O homem dos livros tem barba, estantes, encadernações e fiadas de sonhos e musas empoeiradas. Pilhas nas mesas, cadeiras e no chão. Faz promoções de letras usadas, tratadas, amarelas e relegadas aos pés de página. O homem dos livros conhece a força das letras encorpando uma onda. A maior da lua, a que tem a arrebentação mais bonita, enrolada, a de água morna, a que pensa que vai partir a rocha, a que desliza na areia e desfaz as marcas. Os óculos são para ver de perto o verde esbatido e denso do mar de palavras formando a onda mais espessa. E é ele quem permanece de pé para ver a última espuma se desmanchar e guarda em segredo que é esse o deleite do poema. E aí já é amor.